Baixar filmes, séries e músicas na Internet é crime?
O Brasil ocupa o 4º lugar no ranking de consumo de pirataria digital. Mas será que fazer download de filmes, séries e músicas é crime? A questão é complexa e envolve interpretações da Lei de Direitos Autorais e do Código Penal, com divergências sobre a legalidade de downloads para uso pessoal sem intuito lucrativo. Entenda mais sobre as implicações legais e diferentes interpretações jurídicas.
DIREITO
Daniel Azevedo de Oliveira Maia
11/17/20203 min ler
De acordo com relatórios de pesquisa realizada pela MUSO (empresa britânica especializada em pirataria digital), o Brasil figura no 4º lugar do ranking dos países com maior consumo de pirataria do mundo (aproximadamente 12,7 bilhões de acessos), ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Rússia e Índia.
Afinal, fazer o download de filmes, séries, músicas e demais conteúdos, é crime no Brasil?
A questão não é das mais simples de se compreender. Vejamos.
A Lei de Direitos Autorais (LDA - Lei nº 9.610/98) estabelece que pertence APENAS ao autor da obra o direito de utilizá-la. Caso algum indivíduo deseje armazená-la em seu computador (download), dependerá de autorização prévia e expressa do criador da obra artística (filme, série, música etc).
Nesta esteira de raciocínio, o art. 184 do Código Penal afirma ser CRIME a violação dos direitos autorais, podendo ensejar pena de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa, caso essa violação consista, dentre outras possibilidades, na aquisição de cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, com INTUITO LUCRATIVO (§2º).
É dizer, em primeira análise, sim, realizar o download deste tipo de conteúdo na web seria crime, pois se trata de uma violação à direitos autorais.
Todavia, voltando a analisar a LDA, verificamos que NÃO CONSTITUI OFENSA AOS DIREITOS AUTORAIS a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro. O Código Penal, por sua vez, não trata do conceito de "pequenos trechos".
O que seriam, portanto, "pequenos trechos"? A legislação nada discorre a respeito. Como se sabe, uma norma incriminadora, para ser aplicada, deve ser clara, inteligível, compreensível. Trata-se do princípio da taxatividade, voltado à técnica redacional legislativa.
Deste modo, inclusive em razão da incidência do princípio da insignificância no caso concreto, há quem entenda que o ato de, por si só, realizar o download de conteúdo protegido por direitos autorais, para CONSUMO PRÓPRIO e SEM INTUITO LUCRATIVO, não poderia gerar punição. Por não haver a clareza necessária na norma incriminadora, não haveria se falar em interpretação analógica negativa ao réu (in malam partem). O princípio da reserva legal preceitua que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, o que afastaria a ideia de incriminar penalmente aquele que faz cópia dos arquivos para uso pessoal.
De outro lado, há quem defenda que o art. 184 do CP, por si só, resolveria a questão, devendo aquele que realiza o download dos arquivos ser punido tão somente por infringir uma regra geral de violação de direitos autorais, sendo o "intuito lucrativo" mera qualificadora do crime geral. Nesta hipótese, as diretrizes do CP seriam normas penais em branco, devendo ser interpretadas em conjunto com a LDA. Aliás, em uma interpretação mais gramatical, percebe-se que o §4º do art. 184 do CP atribui a aplicação do §2º apenas nos casos em que há o intuito lucrativo, ou seja, não havendo tal objetivo, não há se falar na aplicação de tal parágrafo, incidindo a regra geral do caput. Há, ainda, aqueles que defendem que o "intuito lucrativo" poderia significar, também, "com intuito de não gastar o próprio dinheiro", sendo o tema ainda nebuloso na seara jurídico-penal, com múltiplas interpretações.